terça-feira, 4 de julho de 2017

O Conto de Aia


"Tento não pensar demais. Como outras coisas agora, os pensamentos têm que ser racionados. Há muita coisa em que não é produtivo pensar. Pensar pode prejudicar suas chances, e eu pretendo durar".

"Os jovens são com frequência os mais perigosos, os mais fanáticos, os mais nervosos com suas armas. Ainda não aprenderam com o tempo sobre as coisas da vida. Você tem que ir bem devagar com eles".

"Agora andamos pela mesma rua, aos pares de vermelho, e homem nenhum grita obscenidades para nós, fala conosco, toca em nós. Ninguém assobia. Existe mais de um tipo de liberdade, dizia tia Lydia. Liberdade para: a faculdade de fazer ou não fazer qualquer coisa, e liberdade de: que significa estar livre de alguma coisa. Nos tempos da anarquia, era liberdade para. Agora a vocês está sendo concedida a liberdade de. Não a subestimem".

"Toda primavera havia um festival de Humphrey Bogart, com Lauren Bacall ou Katherine Hepburn, mulheres independentes, tomando suas decisões. Elas usavam blusas com botões abotoados na frente que sugeriam as possibilidades da palavra desabotoar — abrir (o que estava cerrado), soltar. Aquelas mulheres podiam se soltar e se perder; ou não. Elas pareciam ser capazes de escolher. Nós parecíamos capazes de escolher naquela época. Éramos uma sociedade que estava morrendo, dizia tia Lydia, de um excesso de escolhas".

"Ofglen para ao meu lado e sei que ela também não consegue tirar os olhos daquelas mulheres. Estamos fascinadas, mas ao mesmo tempo sentimos repulsa. Elas parecem despidas. Foi preciso tão pouco tempo para mudar nossas ideias a respeito de coisas como essa. Então penso: eu costumava me vestir assim. Isso era liberdade".

"É claro que alguns deles tentarão, dizia tia Ly dia. Toda a carne é fraca. Toda a carne é erva, eu a corrigi em minha cabeça. Eles não conseguem deixar de fazê-lo, dizia ela, Deus os fez assim, mas Ele não as fez assim. Ele as fez diferentes. Cabe a vocês impor os limites".

"O que você não souber, não lhe trará sofrimento, foi tudo o que ela disse".

"Evito olhar para baixo, para meu corpo, não tanto porque seja vergonhoso ou impudico mas porque não quero vê-lo. Não quero olhar para alguma coisa que me determine tão completamente".

"Aquilo a que chamo de mim mesma é uma coisa que agora tenho que compor, como se compõe um discurso. O que tenho de apresentar é uma coisa feita, não algo nascido".

"Mas quem pode se lembrar da dor, uma vez que passa? Tudo o que dela resta é uma sombra, não na mente nem isso sequer, na carne. A dor marca você, mas de maneira profunda demais para que se possa ver. Longe dos olhos, longe do pensamento".

"Pegar na pena entre meus dedos é sensual, parece quase viva, posso sentir seu poder, o poder que as palavras contêm"."Você não pode controlar o que sente, disse Moira certa ocasião, mas pode controlar como se comporta".

"Essa é uma das coisas que eles fazem. Obrigam você a matar, dentro de você".

"Preciso me lembrar de qual é a aparência deles. Tento mantê-los imóveis por trás dos meus olhos, seus rostos, como fotografias em um álbum. Mas não ficam quietos para mim, eles se movem, há um sorriso e então desaparece, suas feições se enroscam e se dobram como se o papel estivesse queimando, o negrume os engole. Um vislumbre, uma pálida cintilação no ar; uma incandescência, aurora, dança de elétrons, então um rosto de novo, rostos. Mas eles se desvanecem, embora eu estenda meus braços para eles, escapolem de mim, fantasmas ao raiar do dia. De volta para onde quer que estejam. Fiquem comigo, quero dizer. Mas não ficam".

"O conhecimento era uma tentação. O que vocês desconhecem não pode tentá-las. (...) talvez eu na verdade não queira saber o que está acontecendo. Talvez eu prefira não ter conhecimento. Talvez não possa suportar o conhecimento. A Queda foi uma queda da inocência para o conhecimento".

"Melhor nunca significa melhor para todo mundo, diz ele. Sempre significa pior, para alguns".

"A maneira como se sente o amor é sempre apenas uma aproximação".

"Como todos os historiadores sabem, o passado é uma enorme escuridão, e repleto de ecos. Vozes podem nos alcançar saídas dele; mas o que dizem é imbuído da obscuridade da matriz da qual elas vêm; e, por mais que tentemos, nem sempre podemos decifrá-las precisamente à luz mais clara de nosso próprio tempo".

Título original: The Handmaid's Tale
Autora: Margareth Atwood

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