sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O Livro do Amor


"As relações amorosas e sexuais, excluindo a miséria e a doença, claro, são maior fonte de sofrimento humano".
"Não existe o ser humano natural; o comportamento é moldado pela cultura. A forma como amamos e praticamos sexo é construída socialmente".

"O amor foi normatizado, reprimido, violentado. A ordem moral reinou, exercendo nociva tirania sobre a vida privada".

"A descoberta das causas da reprodução é que entronizou o homem como patriarca". 

"As deusas da Pré-história perderam o seu espaço e registro, quando o homem descobriu o seu papel sexual. Após a instalação do patriarcado, há 5 mil anos, a mulher adquiriu o status de mercadoria (...) Passou a ser considerada inferior ao homem e, por conseguinte, subordinada à sua dominação". 

"[Patriarcado] dividiu cada indivíduo contra si próprio, porque para corresponder ao ideal masculino ou feminino da nossa cultura, cada um tem que rejeitar uma parte de si, de alguma forma, se mutilando".  

"A caricatura popular do homem das cavernas carregando um bastão e arrastando uma mulher pelo cabelo, com alguns traços "divertidos", nos diz que, desde um tempo imemorial, os homens equiparavam sexo à violência e as mulheres são objetos sexuais passivos".    

"O sistema patriarcal oprime ambos os sexos, e estar submetido ao mito da masculinidade não é nada fácil". 

"A motivação primeira não é a troca de afeto e prazer com as mulheres, e sim o poder e o controle sobre elas". 

"[Estudo] o que os homens consideraram mais ameaçador nas mulheres foi a combinação de competência e sexualidade".

"Todo o esforço exigido para ser considerados 'homens de verdade' provoca angústia, medo do fracasso e dificuldades afetivas". 

"Insistir em manter os conceitos de feminino e masculino é prejudicial a ambos os sexos por limitar as pessoas, aprisionando-as a estereótipos".

"Todos desejam ser o todo, não ter que reprimir aspectos de sua personalidade".

"É possível que também que as pessoas venham a escolher seus parceiros amorosos e sexuais pelas características de personalidade, e não mais por serem homens ou mulheres".

"A homofobia deriva de um tipo de pensamento que equipara diferença a inferioridade"

"A homofobia reforça a frágil heterossexualidade de muitos homens. Ela é, então, um mecanismo de defesa psíquica, uma estratégia para evitar o reconhecimento de uma parte inaceitável em si". 

"[Homofobia] seu fim depende da queda dos valores patriarcais". 

"O amor é um ato de rebelião, uma revolta contra a razão, uma insurreição no organismo político, um motim particular". 

"Ter uma relação de intimidade quer dizer entrar na vida do outro sem perder o sentido da própria identidade. Para isso, é necessário haver uma forte autonomia individual. Quer dizer, receber o outro em nosso território íntimo sem por isso achar que fomos invadidos ou contaminados. A intimidade também comporta a capacidade de ficarmos atentos às nossas  próprias sensações. Afinal, ela pode ser danificada ou destruída por atitudes predadoras, por necessidade simbióticas, por hostilidades reprimidas ou explosivas, por excessos de inibição ou sedução". 

"A intimidade precisa da manutenção de um forte sentido de individualidade: só a pessoa que confia em si própria pode soltar as amarras e enfrentar o mar aberto de uma relação envolvente com o outro". 

"O cristianismo trouxe como  principal novidade a ligação entre o sexo e o pecado, criando um sentimento esmagador de culpa a respeito do prazer sexual, que era visto como transgressão contra Deus". 

"Entre nós existe uma carência profunda daquilo que mais desejamos: tocar, abraçar, acariciar". 

"A dimensão humana encontra-se constrangida e refreada. Tornamo-nos prisioneiros de um mundo de palavras impessoais, sem toque, sem sabor. A tendência é as palavras ocuparem o lugar da experiência. Elas passam a ser declarações em vez de demonstrações de envolvimento". 

"O tato é a verdadeira linguagem do sexo". 

"Nega-se o óbvio: o desejo sexual por outras pessoas constitui parte natural a pulsão sexual. Quando essa mentalidade mudar, as torturas psicológicas e os crimes passionais certamente diminuirão, assim como inúmeros outros fatores que geram angústia". 

O Livro do Amor, Regina Navarro Lins

segunda-feira, 17 de julho de 2017

O filho de mil homens


"Via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausências e de silêncios como os precipícios ou poços fundos. Para dentro do homem era um sem fim, e pouco ou nada do que continha lhe servia de felicidade".

"Acreditou que o afecto verdadeiro era o único desengano, a grande forma de encontro e de pertença. A grande forma de família".

"Pensava que quando se sonha tão grande a realidade aprende".

"O sol era que mandava, a significar a vida que se punha a continuar para além até das grandes tristezas".

"Quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz".

"Estava grávida, sim, mas não era coisa do amor, antes de uma rotina de solidão que enfraquecia a resistência e intensificava as vontades".

"Era como aproveitar o amor possível. O amor dos infelizes".

"O amor urgia, como se tivesse horas diferentes das do pensamento, e tomava decisões perigosas, erradas, destruidoras".

"Sonhou que lhe devolvia a vontade de acreditar no amor".

"Tão estranho que depois de tanto tempo e tanta mágoa pudesse pensar no amor. Amanhecera vazia, sem ninguém dentro de si mesma, e foi como se encheu com a ideia de afinal ser impossível esquecer o amor. Porque o amor era espera e ela, sem mais nada, apenas esperava. A Isaura sabia que amava alguém por vir, amava uma abstração de alguém no futuro. Ela esperava o futuro, e esperar era já um modo de amar. Esperar era amar".

"O passado é uma herança de que não se pode abdicar".

"Porque havia uma tristeza insuportável em permitir que um amor assim se apagasse sem testemunho. Como se fosse inútil".

"O Antonino percebeu que seria feliz quem se tornasse  no que não podia. Ser o que não se pode, pensou".

"O Crisóstomo explicava que o amor era uma atitude. Uma predisposição natural para ser a favor de outrem. É isso o amor. Uma predisposição natural para se favorecer alguém. Ser, sem se quer pensar, por outra pessoa".

"O toque de alguém, dizia ele, é o verdadeiro lado de cá da pele. Quem não é tocado não se cobre nunca, anda como nu. De ossos à mostra. E amar uma pessoa é o destino do mundo".

"Nunca queira livrar-se do coração. Siga-o".

"O Camilo começou a pensar que tantas coisas se aprendiam quando se ficava sozinho. Era importante que muita coisa fosse decidida nessa clausura da solidão, para que a natureza de cada um se pronunciasse livremente, sem estigmas".

"Ao menos as palavras iam embora, desapareciam a cada instante, talvez metidas para uma liberdade que merecessem por terem tido a coragem de comparecer".

"Deve-se nutrir carinho por um sofrimento sobre o qual se soube construir a felicidade, repetiu muito seguro. Apenas isso. Nunca cultivar a dor, mas lembrá-la com respeito, por ter sido indutora de uma melhoria, por melhorar quem se é, Se assim for, não é necessário voltar atrás. A aprendizagem estará feita e o caminho livre para que a dor não se repita".

"A solidão podia transformar os homens em seres quase de fantasia por lhes mexer na cabeça e obrigar o coração a legitimar como verdadeira a mais pura ilusão".

Livro: O filho de mil homens
Autor: Valter Hugo Mãe

Romeu e Julieta



"Tem sido visto ali muitas manhãs, acrescendo ao orvalho suas lágrimas, nublando as nuvens com suspiros profundos".

"-E o que alonga as horas de Romeu?
-A falta do que possa torná-las curtas.
-Amor?
-Sua falta.
-Do amor?
-Das graças da que tem o meu amor".

"É pena que o amor de olhar velado, mesmo cego descubra o desejado".

"O amor é fumo de um suspiro em chama que faz brilhar os olhos de quem ama".

"Não cede ao cerco das palavras ternas, nem aos golpes do assalto dos olhares, e nem ao ouro que seduz os santos. (...) Pois beleza com tal austeridade rouba beleza da posteridade. (...) Abjurou o amor e, por fazê-lo, é morto em vida quem vive a dizê-lo".

"Mais bela que a que amo? O sol que brilha em outra jamais viu tal maravilha".

"Grudado ao chão, mal posso caminhar. Mas amante pede asas ao Cupido pra voar muito acima disso. A sua flecha foi tão fundo em mim que não dá pr'eu voar com suas penas. Não alcança mais alto que um suspiro. 'Stou me afogando ao peso desse amor. Quando vai fundo, o amor é sempre um peso. E sempre oprime algo de delicado. O amor é delicado? É antes bruto, rude demais e, espeta como um espinho".

 "Ela é quem ensina as tochas a brilhar, e no rosto da noite tem um ar de joia rara em rosto de carvão. É riqueza demais pro mundo vão. Como entre corvos pomba alva e bela. Entre as amigas fica essa donzela. Depois da dança, encontro o seu lugar, pra co'a mão dela a minha abençoar. Já amei antes? Não, tenho certeza; pois nunca havia visto eu tal beleza".

"O brilho de sua face ofuscaria os astros como o dia faz à chama".

"Se me chamar de amor, me rebatizo".

"Com as asas do amor saltei o muro, pois não há pedra que impeça o amor; E o que o amor pode o amor ousa tentar".

"Seu olhar me deixa protegido do inimigo"

"Antes que perder a vida por seu ódio que, sem o seu amor, não morrer logo".

"Minha afeição é como um mar sem fim. Meu amor tão profundo. Mais eu dou mais eu tenho, pois ambos são infinitos".

"-Esqueci porque eu o chamei.
- Deixe que eu fique até você lembrar
- Vou esquecer só pra você ficar, e eu pensar como é bom tê-lo aqui perto.
- Eu fico, pra você esquecer sempre, e esqueço até que tenho outro lar".

"Mas nem a maior dor anula a linda troca de alegrias que um minuto me dá por vê-la aqui. Se juntas nossas mãos com bênção santa, que a morte, que devora o amor, ataque: pra mim basta poder chamá-la minha".

"Pois Vênus não sorri em meio a lágrimas".

Livro: Romeu e Julieta
Autor: William Shakespeare

Histórias extraordinárias



"Alguma coisa no amor sem egoísmo e abnegado de um animal atinge a alma dos que já experimentaram o erro, a fragilidade, a fidelidade da afeição do homem simples".

"O que ele não é pode-se facilmente perceber. O que ele é receio ser impossível dizê-lo".

"Os extremos medonhos da agonia são sofridos pelo homem isoladamente, e nunca pelo homem em multidão".

"O mundo de nossa triste Humanidade pode assumir, muitas vezes, a aparência de um Inferno. Tudo depende da mente, da razão, da imaginação do homem".

"Observar atentamente é recordar com clareza".

"Existíamos apenas dentro de nós mesmos".

"A maioria dos homens trazia, no peito, janelas abertas, através das quais podia ver-lhes o íntimo. (...) Ele parecia ver-me por dentro".

"Olhar de muito perto o objeto prejudica a visão".

"Caíram no erro de confundir o incomum, o inusitado com o desconhecido".

"Era como se a atmosfera de fora me tivesse penetrado até os ossos. (...) Cheguei à conclusão de que, embora haja uma combinação de simples objetos, com o poder de nos afetar assim, a análise desse poder basta modificar ou talvez destruir sua capacidade de influenciar".

"Dentro das ruínas cinzentas de minha memória, esse nome é um grito que surge no meio de mil lembranças".

"Quem poderia ter olhos para a beleza pura, depois de contemplar aquelas belezas proibidas?"

"Sou filho de uma raça de temperamento imaginativo. Sensível, facilmente excitável".

Livro: Histórias extraordinárias
Autor: Edgar Allan Poe

terça-feira, 4 de julho de 2017

O Conto de Aia


"Tento não pensar demais. Como outras coisas agora, os pensamentos têm que ser racionados. Há muita coisa em que não é produtivo pensar. Pensar pode prejudicar suas chances, e eu pretendo durar".

"Os jovens são com frequência os mais perigosos, os mais fanáticos, os mais nervosos com suas armas. Ainda não aprenderam com o tempo sobre as coisas da vida. Você tem que ir bem devagar com eles".

"Agora andamos pela mesma rua, aos pares de vermelho, e homem nenhum grita obscenidades para nós, fala conosco, toca em nós. Ninguém assobia. Existe mais de um tipo de liberdade, dizia tia Lydia. Liberdade para: a faculdade de fazer ou não fazer qualquer coisa, e liberdade de: que significa estar livre de alguma coisa. Nos tempos da anarquia, era liberdade para. Agora a vocês está sendo concedida a liberdade de. Não a subestimem".

"Toda primavera havia um festival de Humphrey Bogart, com Lauren Bacall ou Katherine Hepburn, mulheres independentes, tomando suas decisões. Elas usavam blusas com botões abotoados na frente que sugeriam as possibilidades da palavra desabotoar — abrir (o que estava cerrado), soltar. Aquelas mulheres podiam se soltar e se perder; ou não. Elas pareciam ser capazes de escolher. Nós parecíamos capazes de escolher naquela época. Éramos uma sociedade que estava morrendo, dizia tia Lydia, de um excesso de escolhas".

"Ofglen para ao meu lado e sei que ela também não consegue tirar os olhos daquelas mulheres. Estamos fascinadas, mas ao mesmo tempo sentimos repulsa. Elas parecem despidas. Foi preciso tão pouco tempo para mudar nossas ideias a respeito de coisas como essa. Então penso: eu costumava me vestir assim. Isso era liberdade".

"É claro que alguns deles tentarão, dizia tia Ly dia. Toda a carne é fraca. Toda a carne é erva, eu a corrigi em minha cabeça. Eles não conseguem deixar de fazê-lo, dizia ela, Deus os fez assim, mas Ele não as fez assim. Ele as fez diferentes. Cabe a vocês impor os limites".

"O que você não souber, não lhe trará sofrimento, foi tudo o que ela disse".

"Evito olhar para baixo, para meu corpo, não tanto porque seja vergonhoso ou impudico mas porque não quero vê-lo. Não quero olhar para alguma coisa que me determine tão completamente".

"Aquilo a que chamo de mim mesma é uma coisa que agora tenho que compor, como se compõe um discurso. O que tenho de apresentar é uma coisa feita, não algo nascido".

"Mas quem pode se lembrar da dor, uma vez que passa? Tudo o que dela resta é uma sombra, não na mente nem isso sequer, na carne. A dor marca você, mas de maneira profunda demais para que se possa ver. Longe dos olhos, longe do pensamento".

"Pegar na pena entre meus dedos é sensual, parece quase viva, posso sentir seu poder, o poder que as palavras contêm"."Você não pode controlar o que sente, disse Moira certa ocasião, mas pode controlar como se comporta".

"Essa é uma das coisas que eles fazem. Obrigam você a matar, dentro de você".

"Preciso me lembrar de qual é a aparência deles. Tento mantê-los imóveis por trás dos meus olhos, seus rostos, como fotografias em um álbum. Mas não ficam quietos para mim, eles se movem, há um sorriso e então desaparece, suas feições se enroscam e se dobram como se o papel estivesse queimando, o negrume os engole. Um vislumbre, uma pálida cintilação no ar; uma incandescência, aurora, dança de elétrons, então um rosto de novo, rostos. Mas eles se desvanecem, embora eu estenda meus braços para eles, escapolem de mim, fantasmas ao raiar do dia. De volta para onde quer que estejam. Fiquem comigo, quero dizer. Mas não ficam".

"O conhecimento era uma tentação. O que vocês desconhecem não pode tentá-las. (...) talvez eu na verdade não queira saber o que está acontecendo. Talvez eu prefira não ter conhecimento. Talvez não possa suportar o conhecimento. A Queda foi uma queda da inocência para o conhecimento".

"Melhor nunca significa melhor para todo mundo, diz ele. Sempre significa pior, para alguns".

"A maneira como se sente o amor é sempre apenas uma aproximação".

"Como todos os historiadores sabem, o passado é uma enorme escuridão, e repleto de ecos. Vozes podem nos alcançar saídas dele; mas o que dizem é imbuído da obscuridade da matriz da qual elas vêm; e, por mais que tentemos, nem sempre podemos decifrá-las precisamente à luz mais clara de nosso próprio tempo".

Título original: The Handmaid's Tale
Autora: Margareth Atwood