segunda-feira, 17 de julho de 2017

O filho de mil homens


"Via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausências e de silêncios como os precipícios ou poços fundos. Para dentro do homem era um sem fim, e pouco ou nada do que continha lhe servia de felicidade".

"Acreditou que o afecto verdadeiro era o único desengano, a grande forma de encontro e de pertença. A grande forma de família".

"Pensava que quando se sonha tão grande a realidade aprende".

"O sol era que mandava, a significar a vida que se punha a continuar para além até das grandes tristezas".

"Quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz".

"Estava grávida, sim, mas não era coisa do amor, antes de uma rotina de solidão que enfraquecia a resistência e intensificava as vontades".

"Era como aproveitar o amor possível. O amor dos infelizes".

"O amor urgia, como se tivesse horas diferentes das do pensamento, e tomava decisões perigosas, erradas, destruidoras".

"Sonhou que lhe devolvia a vontade de acreditar no amor".

"Tão estranho que depois de tanto tempo e tanta mágoa pudesse pensar no amor. Amanhecera vazia, sem ninguém dentro de si mesma, e foi como se encheu com a ideia de afinal ser impossível esquecer o amor. Porque o amor era espera e ela, sem mais nada, apenas esperava. A Isaura sabia que amava alguém por vir, amava uma abstração de alguém no futuro. Ela esperava o futuro, e esperar era já um modo de amar. Esperar era amar".

"O passado é uma herança de que não se pode abdicar".

"Porque havia uma tristeza insuportável em permitir que um amor assim se apagasse sem testemunho. Como se fosse inútil".

"O Antonino percebeu que seria feliz quem se tornasse  no que não podia. Ser o que não se pode, pensou".

"O Crisóstomo explicava que o amor era uma atitude. Uma predisposição natural para ser a favor de outrem. É isso o amor. Uma predisposição natural para se favorecer alguém. Ser, sem se quer pensar, por outra pessoa".

"O toque de alguém, dizia ele, é o verdadeiro lado de cá da pele. Quem não é tocado não se cobre nunca, anda como nu. De ossos à mostra. E amar uma pessoa é o destino do mundo".

"Nunca queira livrar-se do coração. Siga-o".

"O Camilo começou a pensar que tantas coisas se aprendiam quando se ficava sozinho. Era importante que muita coisa fosse decidida nessa clausura da solidão, para que a natureza de cada um se pronunciasse livremente, sem estigmas".

"Ao menos as palavras iam embora, desapareciam a cada instante, talvez metidas para uma liberdade que merecessem por terem tido a coragem de comparecer".

"Deve-se nutrir carinho por um sofrimento sobre o qual se soube construir a felicidade, repetiu muito seguro. Apenas isso. Nunca cultivar a dor, mas lembrá-la com respeito, por ter sido indutora de uma melhoria, por melhorar quem se é, Se assim for, não é necessário voltar atrás. A aprendizagem estará feita e o caminho livre para que a dor não se repita".

"A solidão podia transformar os homens em seres quase de fantasia por lhes mexer na cabeça e obrigar o coração a legitimar como verdadeira a mais pura ilusão".

Livro: O filho de mil homens
Autor: Valter Hugo Mãe

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